Ana Mendieta

 

O corpo feroz e objeto de arte de Ana Mendieta era um corpo de cisão. Para ela, as definições de body artist ou de escultora não cabem, não exprimem a virulência de seus rituais performáticos. Como ela própria dizia: “Eu tenho continuado um diálogo entre a paisagem e o corpo feminino (baseado na minha própria silhueta). Eu sou maravilhada pelo sentimento de ter sido selecionada pelo ventre (da natureza). Por meios das minhas esculturas terra/corpo eu tenho me tornado uma com a terra. Eu me tornei uma extensão da natureza e a natureza tornou-se uma extensão do meu corpo”.

O exílio prematuro moldou muito o processo criativo de Mendieta. Seu pai, contrarrevolucionário cubano, praticava nos porões de sua casa atividades como guardar armamento ou esconder outros fugitivos. Preocupado com o perigo que isso pudesse representar para suas filhas, mandou Ana e sua irmã mais nova para um campo de órfãos refugiados nos Estados Unidos. Mendieta comentava que a sensação de profundo abandono influenciou tanto sua personalidade e seus questionamentos que se, não fosse artista, ela teria sido uma criminosa.

O corpo feminino, o seu, tornou-se então, ferramenta de um processo criativo germinal. Coberta de lama, de sangue da galinha degolado, ou de penas, a silhueta entra em comunhão com o solo ou com o espaço em que se deita. A marca que permanece é documentada em vídeo ou foto. O que resta é o resquício de uma experiência transcendental. A natureza é ventre e terra, Mendieta também. Essa é a temática de sua série mais conhecida, “Siluetas”.

O feminismo e o feminino estão presentes em seu trabalho, tratando principalmente da violência contra a mulher. A polêmica fotografia “Untitled (Rape Scene)”, nasceu de uma performance em que ela convidou amigos para seu apartamento. Ao entrarem, eles se depararam com Mendieta nua e coberta de sangue, amarrada em cima da mesa, representando uma mulher que acabara de ser violentada.

As raízes de sua origem cubana, principalmente o mix espiritual do catolicismo espanhol, religião afro-cubana e práticas indígenas influenciaram a construção de performances em que Ana é mítica deusa das fronteiras formadas por sua pele e elementos da natureza. Seu trabalho é uma afirmação e evocação de sua identidade transcultural.

Infelizmente, a misticismo e feminismo de seu trabalho foram menos conhecidos que sua morte prematura, famosa por ter sido atribuída ao seu então marido, o escultor Carl Andre. A curadora Olga Viso sinaliza que, para os incautos, o seu trabalho correlacionado com morte e violência poderia ser uma previsão individual de seu falecimento, mas que na verdade, todos os aspectos de pesquisa e espiritualidade do trabalho de Mendieta estão ligadas com a sua produção, e como a vida pode expressar-se através do corpo e da arte.